
A justiça dos contratos no imobiliário.
Caro(a) leitor(a),
Como deve imaginar, faço vários negócios em imobiliário e como qualquer pessoa que faz isso, já vi de tudo.
Por vezes, encontramos problemas nos imóveis que nem os melhores juristas se iriam lembrar, de tão específicos que são.
Outras vezes, encontramos impedimentos legais de alguma ordem que dificultam os negócios.
Outras vezes, os donos dos imóveis têm problemas fiscais (como dívidas à autoridade tributária, o que impede a venda) ou problemas entre eles (quando existem vários donos dos imóveis, como herdeiros).
No entanto, existe um outro problema que raramente é falado e que acho pertinente abordar: a justiça dos contratos.
E é isso que hoje vou cobrir.
Uma história recente
Recentemente, tentei adquirir um imóvel a um fundo de investimento imobiliário (cujo nome não vou revelar).
O fundo elaborou o Contrato Promessa de Compra e Venda (CPCV) e enviaram-mo.
Devo ter visto centenas de CPCVs até hoje, provavelmente. Mas nunca vi nada assim (e já o fiz com outros fundos e banca).
O contrato promessa que me apresentaram era altamente “inquinado” e até aí tudo normal - quem faz o contrato tenta sempre colocar os termos a seu favor. Na verdade, trata-se de uma proposta de contrato.
O grande problema foi quando - em conversa com o dep. jurídico da Arrow - me apercebi que o contrato promessa não era justo.
Aquilo que algumas pessoas se esquecem é que um contrato não tem apenas que seguir a lei… tem que seguir o “espírito da lei”.
E a lei… quer-se justa (daí que o ramo da lei seja a “justiça”).
Quando falo de contratos lembro-me sempre da conversa que tive com o Sérgio Vaz quando lançámos o seu livro, que está aqui:
onde dizemos que um contrato mal feito ou bem feito pode significar dezenas de milhares de euros de prejuízo/ganho e que quando o negócio corre bem o que está no contrato é irrelevante.
Só quando as coisas correm mal é que se olha aos contratos e ao que eles dizem.
Legal vs justo
Como tive oportunidade de discutir com o jurista Rogério Alves, no nosso podcast, aqui:
a legalidade não implica justiça.
Lembro-me de uma história que me contaram há anos, provavelmente baseada no máximo, só em parte, em factos verídicos, em que dois advogados se encontravam num hotel.
Problema: cada um deles estava com a mulher do outro.
Ao se encontrarem (e há um pormenor importante: um vinha a sair do hotel e o outro estava a chegar), os dois trocaram impressões cordiais.
O advogado que ia a sair do hotel (com a mulher do advogado que estava a chegar) sugeriu, para que ficassem “quites”, irem todos para casa, cumprindo as várias normas éticas e legais associadas ao caso.
O advogado que estava a chegar achou a sugestão legal, mas não justa: afinal de contas estava apenas a chegar ao hotel enquanto o seu colega estava já a sair...
Ou seja, um contrato até pode ser legal - i.e. seguir a lei - mas isso não significa que ele seja justo.
E quando algo não é justo, estará lá a justiça para intervir!
Dou-lhe um exemplo muito simples: se a sua casa valer 100.000,00€ (cem mil euros) e eu lha comprar por 1.000,00€, o CPCV do negócio e a escritura podem ser inteiramente legais.
Mas nada impede alguém de colocar uma ação legal, para tentar reverter o negócio, porque apesar de ser legal, este negócio não é claramente justo!
O que é injusto num negócio, então?
Mostrada que está a forma como eu encaro esta situação, quero agora dar-lhe exemplos daquilo que eu classifico de injusto.
Nota: eu não sou jurista, nem pretendo ser, aquilo que lhe conto neste artigo de blog é tão somente a minha opinião como investidor imobiliário. A justiça é, por vezes, um conceito relativo e por isso avalie este artigo com base naquilo que considera ser justo para si e para os outros, de acordo com os seus ideais.
- Devolução e apoderamento do sinal. O valor de sinal é devolvido em singelo caso haja problemas com o imóvel antes da venda porém é perdido caso existam problemas com o comprador.
Até aqui nada demais, desde que ambas as partes aceitem esse procedimento e claramente não haja grandes impedimentos para isso acontecer.
Na primeira história que lhe contei, por exemplo, queria o fundo obrigar o negócio a ser feito em pouco tempo e ao mesmo tempo a apoderar-se do sinal caso acontecesse algum tipo de problema, o que me parece injusto - especialmente mantendo a sua posição quando confrontado com a ideia que os timings seriam curtos.
Ainda mais me parece injusto que ao mesmo tempo o fundo alegasse que “não devolveria o sinal porque a falha no financiamento era algo alheio a si” - quando na verdade não o era, ao pressionar o negócio com uma data curta - devolveria o sinal em singelo caso “houvessem ónus a recair sobre o imóvel até à data da escritura”, quando esses ónus também seriam totalmente alheios a mim (ou à minha sociedade de investimento), como comprador. Dois pesos e duas medidas.
E novamente digo: nada demais aqui se as partes concordarem (até porque quem vende imóveis em escala tem que ter procedimentos mais apertados), mas não entendo ser justo quando alguém questiona isso mesmo e a postura de quem fez o CPCV permanece na mesma.
- Quem decide o dia e a hora da escritura não é quem paga. Esta prática em Portugal tem vindo a ganhar cada vez mais expressão e honestamente vai contra tudo aquilo que a ArrowPlus defende.
A nossa missão é elevar a cultura do imobiliário, para que esta seja mais madura, funcional e justa.
Ora quem decide onde e quando é a escritura é quem paga, ponto. É que nem sequer vejo alguma discussão aqui. Naturalmente que na prática a escritura tem que ser agilizada entre as partes, até porque não se pode realizar caso uma das partes não esteja presente (ou procurada). E em boa verdade pode até o vendedor sugerir o local e data da escritura, naturalmente que isso é prática comum e correcta. Mas exigir tal coisa, num CPCV, parece-me francamente injusto.
Esta prática tem vindo a ganhar popularidade com a banca a exigir que as escrituras sejam feitas pela plataforma legal, mas pagas pelo comprador do imóvel. Na minha opinião, isto é no mínimo injusto (sendo que sobre a legalidade deste aspecto não me quero pronunciar) e é algo com o qual nunca concordo.
- Comprar um imóvel por um preço altamente desfasado da realidade. Como investidor imobiliário, eu defendo que devamos procurar o tal “deep value”. Mas isso não significa ir além do razoável.
Se para mim é correto e justo comprar um imóvel até 30% ou mesmo 50% abaixo do seu valor de mercado, desde que isso represente um bom negócio para o vendedor (se está confuso sobre como isto possa ser verdade, recomendo ler o meu livro “Do 0 ao milhão”, pois explico preto no branco como isso acontece), já entendo ser injusto comprar um imóvel por 5% ou 10% daquilo que ele possa valer.
Este ponto pode até ser ilustrado com uma polémica recente que envolveu o Novo Banco e a venda de um lote de imóveis a um preço em teoria muito abaixo do seu valor (valeriam segundo algumas fontes 631 milhões de euros e foram vendidos por 364 milhões). Em teoria, algo estaria muito mal.
Mas vendo bem a questão, poderá ter-se outra interpretação. O presidente do Novo Banco, António Ramalho, justificou que a carteira de imóveis era até ilegal pois o banco teria que vender a mesma em 2 anos e não o havia feito. Ora manter a carteira poderia implicar processos legais e coimas avultadas. Mais - e este é o ponto central - caso o Novo Banco colocasse estes imóveis no mercado, quanto tempo poderia levar até os vender e em que condições o faria? E mais que isso, quanto custaria ao Novo Banco manter esses imóveis na sua carteira?
A oportunidade e justiça encontram-se quando nos custa mais manter um imóvel que vendê-lo abaixo do seu valor teórico de mercado. É esse lugar que os investidores devem procurar, e na minha opinião pode ser encontrado de forma ética e justa.
Que outras injustiças conhece no mercado imobiliário? Diga-nos nos comentários.
Um abraço,
Artur Mariano.







