Criar ou não uma empresa – a pergunta de “um milhão de euros”

“Devo ou não criar uma empresa?”, é muito provavelmente a pergunta que mais me têm feito ao longo destes quase 20 anos de atividade ligada à consultoria fiscal e financeira.
A minha resposta a esta questão é sempre a mesma: “Depende!”. Porque efetivamente depende de vários fatores, que em última análise não se esgotam apenas na componente fiscal. Note, por exemplo, que desenvolver uma atividade empresarial através de uma empresa pode proteger melhor o seu património pessoal em caso de eventuais litígios judiciais. Efetivamente, se utilizarmos uma empresa, estaremos à partida mais protegidos. Não sendo uma questão meramente fiscal, mas sim de âmbito mais lato, não quis deixar de referir este ponto, pois considero que tem relevância, sobretudo nos casos de atividades de caráter mais empresarial (por exemplo, o Alojamento Local, em que lidamos com vários clientes, e com os quais podem surgir situações de litígio judicial). Quanto a questões de proteção de património e análogas, o meu conselho é sempre que procure um bom advogado e obtenha os devidos esclarecimentos.

Perspectiva fiscal

Mas voltemos à análise da perspetiva fiscal... deste ponto de vista, ter uma empresa é, digamos assim, um pouco mais exigente, mas também pode trazer consigo vantagens que não se obtêm trabalhando em nome próprio. Por isso mesmo, criar uma empresa para desenvolver um negócio ligado ao imobiliário só compensará, em princípio, se existir mais do que um imóvel e se os valores de receita forem substanciais. Recordo que as taxas de IRS são progressivas (ou seja, quanto maior o rendimento, maior a taxa), ao passo que no IRC a taxa é sempre a mesma (excetuando para as PME, com um escalão de taxa mais reduzida).

O apuramento do lucro sujeito a impostos é, para as empresas, substancialmente diferente do utilizado no IRS. Imaginemos o IRS como uma cómoda com várias gavetas, e o IRC como uma arca.

O IRS estrutura-se em várias categorias de rendimento (isto é, várias gavetas) com regras específicas, nomeadamente deduções e taxas diferenciadas. Cada gaveta está destinada a conter itens diferentes das restantes, sendo que, no final, a soma do conteúdo retirado (rendimento líquido) de cada gaveta resultará num rendimento total, e numa tributação geral.

IRC é a arca. Ou seja, nós abrimos a grande tampa, colocada na parte superior na arca, e literalmente despejamos tudo lá para dentro (receitas e despesas). No final do ano, abrimos a arca e retiramos todas as receitas e todas as despesas (independentemente do tipo de rendimento, ou de despesa, pois são considerados no seu conjunto) e calculamos a diferença aritmética entre os dois. Caso as receitas sejam superiores às despesas, no seu todo, então o lucro obtido será tributado em IRC.

Em termos de cálculos, e de estudo prévio de situações concretas, o IRC (a arca) é naturalmente mais simples que o IRS (cómoda com gavetas). Desde logo porque o IRS funciona com taxas progressivas (conforme já referido), enquanto que o IRC é calculado a partir de uma taxa fixa (salvo a taxa reduzida para PME). No entanto, a “arca” também tem as suas particularidades, nomeadamente quando o sócio pretende retirar dinheiro da empresa para a sua esfera particular, e ser aí tributado. Apesar disso, existem formas de mitigar esta tributação, que são abordadas no meu livro “Como poupar em impostos no Imobiliário”, co-editado pela Darkpurple e ArrowPlus.

Propriedade do Imóvel

Neste âmbito, outra questão que recorrentemente me colocam tem a ver com a propriedade do imóvel, ou seja, se é necessário que o imóvel seja propriedade da empresa para que se aproveitem as vantagens fiscais do IRC. Obviamente que o facto de o imóvel ser propriedade da empresa apresenta algumas vantagens, conforme explico no meu livro. No entanto, também é possível operar com uma empresa, e simultaneamente os imóveis serem propriedade pessoal.

Alojamento Local

Por exemplo, no caso do Alojamento Local (AL), podemos ter um contrato de comodato entre a pessoa (proprietário) e a sua empresa, sendo esta a explorar o imóvel em termos de AL, para efeitos fiscais e outros legalmente previstos.

Do ponto de vista fiscal, esta alternativa apresenta uma vantagem evidente relativamente à compra/venda: para o caso do comodato não há lugar à cobrança de IMT, o que para valores elevados pode representar uma poupança significativa. Por outro lado, tendo em conta que o negócio é totalmente explorado pela empresa (a licença de AL é, neste caso, emitida à empresa), os gastos tidos com a atividade de AL são atribuídos à empresa, e dedutíveis fiscalmente ao IRC da mesma. No meu livro exploro este tema em profundidade, recorrendo até a Casos Práticos exemplificativos.

Este modelo de propriedade individual e, simultaneamente, exploração através de uma empresa apresenta outra vantagem, neste caso ao nível do AIMI. Recordo que, no âmbito deste imposto, existe um patamar de isenção para proprietários individuais, ao passo que para as empresas que forem proprietárias de imóveis habitacionais (ou terrenos para construção) o AIMI incidirá sempre, independentemente do VPT desses imóveis. Fica a dica!

Conclusão

Em conclusão, cada caso é um caso, e não existe uma “fórmula mágica” para responder à questão levantada neste texto. A sua situação é naturalmente diferente de qualquer outra, e por essa via exige uma análise apropriada e devidamente aprofundada. Só dessa forma poderá ter a sua situação fiscal devidamente otimizada, o que na prática se traduzirá em pagar menos impostos.   

Bons investimentos!

Marco Libório

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